quarta-feira, 18 de julho de 2007

da serie: republicando

Desejo e Carência
Este texto é de autoria de Fabrício Carpinejar,
um gaucho com o dom das letras.depois vai lá e lê mais.







O desejo tem suas leis. Precisa de regras até para perder as regras. Não se adota de qualquer jeito. O desejo não pode ser humilhado e ofendido, não é passageiro e involuntário. O desejo investiga seu amor como se fosse sua morte. O desejo tem responsabilidade, por mais que isso pareça despropositado. O desejo apresenta ética, princípios, caráter. Não é inconseqüente, como se convencionou chamá-lo. O desejo não apela para golpes baixos. O desejo não suporta quem aproveita a carência de outro para se aproveitar, que finge amizade para seduzir. Que é educado apenas para agradar, que se julga melhor do que o seu próprio desejo. Que escuta confidências para avançar o corpo. Que envenena para se aproximar. Que dá um ombro cobiçando a perna. Que mexe nos cabelos para tapar os olhos. Que não respeita a fragilidade, as dúvidas e as inquietações de uma crise. Que se esbalda no medo para oferecer proteção. Que apressa a mulher para esquecê-la, que não se afasta um passo, um pouco, para lembrá-la. Que invade a intimidade para expô-la ainda mais. Que é dedicado na véspera e brusco na despedida. Que não observa o quarto para recolher as roupas. Que culpa o desejo pela posterior falta de desejo. Que diz sim já antecipando o não. Que afoba para destruir, que não estará depois da espuma para alinhar o mar. Que espanta as aves de perto para não ser contrariado. Que encontra desculpas para se esconder. Que não paga o insulto de viver. Que mutila o braço do rio por não saber segui-lo.


O verdadeiro desejo espera a mulher se recompor, espera a serenidade, que ela fique mais forte e possa escolher uma nudez que não seja tolerância e fraqueza. Espera o dia seguinte para trazer luz à noite. É devagar e denso, raiz carregada do visco e das sombras, quietude amadurecida do sumo e da nata.


O verdadeiro desejo não teme inclusive o risco de ser recusado. Não é uma circunstância, é linguagem. Como uma foto, o desejo não será dobrado. Como uma foto, o escrito vai no verso, não sobre a imagem.


O verdadeiro desejo não é predatório, não é egoísta; é generoso, se preocupa em chegar ao final obediente ao início, em chegar ao início obediente ao final. Não se rebaixa. Não significa um alívio, mas a contenção, a alegria alta da corda de um sino.


É muitas vezes prender o prazer para se conhecer mais.

4 comentários:

Ana disse...

Por acaso o desejo anda desejando???

Mônica disse...

ele é bom demais mesmo....

Carmim disse...

Para além de tudo isso, penso também que algumas vezes o desejo torna-se desesperado, ansioso e faz-nos cometer loucuras.
beijo.

Janaina disse...

Concordo com a Girassol. De vez em quando a razão some...