"A faxineira é um Messias toda a semana. Ao telefonar que não poderá ir, estranhamente respiro a mais repentina satisfação, pouco me importando de que modo acalmarei a bagunça. É um alívio não mudar minha rotina. Não me estrangeirar com sua vigilância.
A entrada da faxineira no apartamento lembra a separação de um casal. Eles ainda estão morando juntos, mas não se comunicam. Respeitam seus territórios. Só que ambos estão loucos de diferenças, loucos por dizer, loucos para se arrepender, loucos para se abençoar com desaforos. Mas por achar que não é o momento certo, por achar que a sujeira ainda é muito grande, que a sobrevivência é a prioridade, emudecem com gentilezas e educação. Após tanta intimidade, após tantos anos de cumplicidade, protegem-se na formalidade. São visitas habituadas a permanecer conformadas. O quarto dedicado ao sexo vira um hotel macrobiótico.
Um dos dois - com o tempo - decide ser a faxineira. Enquanto um finge que nada mudou, o outro tira as cadeiras e a mesa do lugar, desmorona a pilha de roupas, procura os restos, as nódoas e as manchas das mentiras e terá que mostrar que há conserto ou não há o que fazer. É sempre o mais corajoso e desconfiado. O que enfrenta a rinite alérgica e abre as janelas. O que esvazia a geladeira para encontrar o que está estragado. Vai esfolar os joelhos, derramar-se no solo para esfregar o piso, mostrará que a gordura não sai e pedirá explicações do que aconteceu.
Não se suporta uma faxineira porque ela conhece nossos defeitos. Não se suporta testemunhas de nossa precariedade. Tem gente que não casa para não ser descoberta. Tem gente que não se separa para não ser desmascarada. Tem gente com pavor de intimidade, a que existiu ou a que existirá com a limpeza.
No fim do dia, após a faxina, entende-se que a falta de amor denuncia mais do que o amor. "
A entrada da faxineira no apartamento lembra a separação de um casal. Eles ainda estão morando juntos, mas não se comunicam. Respeitam seus territórios. Só que ambos estão loucos de diferenças, loucos por dizer, loucos para se arrepender, loucos para se abençoar com desaforos. Mas por achar que não é o momento certo, por achar que a sujeira ainda é muito grande, que a sobrevivência é a prioridade, emudecem com gentilezas e educação. Após tanta intimidade, após tantos anos de cumplicidade, protegem-se na formalidade. São visitas habituadas a permanecer conformadas. O quarto dedicado ao sexo vira um hotel macrobiótico.
Um dos dois - com o tempo - decide ser a faxineira. Enquanto um finge que nada mudou, o outro tira as cadeiras e a mesa do lugar, desmorona a pilha de roupas, procura os restos, as nódoas e as manchas das mentiras e terá que mostrar que há conserto ou não há o que fazer. É sempre o mais corajoso e desconfiado. O que enfrenta a rinite alérgica e abre as janelas. O que esvazia a geladeira para encontrar o que está estragado. Vai esfolar os joelhos, derramar-se no solo para esfregar o piso, mostrará que a gordura não sai e pedirá explicações do que aconteceu.
Não se suporta uma faxineira porque ela conhece nossos defeitos. Não se suporta testemunhas de nossa precariedade. Tem gente que não casa para não ser descoberta. Tem gente que não se separa para não ser desmascarada. Tem gente com pavor de intimidade, a que existiu ou a que existirá com a limpeza.
No fim do dia, após a faxina, entende-se que a falta de amor denuncia mais do que o amor. "
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